segunda-feira, 1 de setembro de 2014

o corpo cadáver é o que me separa de tudo no mundo. é o circuito fechado do perverso que me separa nos outros, sempre, sempre. a perspectiva enforca e no barulho não há nada pior que ter que ser antes de escrever. o suor delineado do sangue a escorrer, ilustre. é a morte de todos os esforços e de todas as gritarias nos lugares onde a minha calma cedeu e partilhou dela. a aflição que sempre acabava por me descontrolar os lábios, exibia-se muito e por isso pus-lhe uma mordaça. delirava puerilmente deixando-me arrastar pelo pavor de todos os horrores que estão vivos e são de origem orgânica e humana que dilaceram e se apossam nos delírios causando maleitas e outros tantos estados febris. ainda a convenção intolerável feita de contas e números.
caí no abandono das faculdades mentais, já não temo a morte neste momento e nem vou falar de infelicidade quando me precede o vício em escrever palavras, erectas, ausentes e sem universo entre o papel e a tinta atenta que chama a atenção obscena. o deboche inverso descreve. não temo a hostilidade do lume nem ferir-me no fogo e na cabeça que um dia já foi minha, entrei. a exaltação igual a mim, reflexo de um inferno infindável e eu à altura do que tanto me oprimia. escolhi arder, escrever, a ter que voltar ao mundo enorme. (...)



Luisa Demétrio Raposo
* retirado do livro dos contos

Sem comentários: